11/07/2025

IPCA para corrigir depósitos judiciais viola isonomia e deve gerar judicialização

Por: Danilo Vital
Fonte: Consultor Jurídico
A substituição da taxa Selic pelo IPCA para corrigir depósitos judiciais em ações
envolvendo a União, qualquer de seus órgãos, fundos, autarquias, fundações ou
empresas estatais federais dependentes viola o princípio da isonomia e deve
causar judicialização.
Portaria substituiu a Selic, taxa de juros da economia, pelo IPCA, que mede a
inflação, para corrigir os depósitos judiciais
Essa conclusão é de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor
Jurídico sobre a Portaria MF 1.430/2025, editada pelo Ministério da Fazenda
no início do mês.
Ela apenas concretiza uma mudança já prevista pela Lei 14.973/2024. A norma
revogou a Lei 9.703/1998, que determinava que os depósitos judiciais seriam
corrigidos pela Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira. Já o IPCA é
o índice que mede a inflação.
O depósito judicial serve como garantia de uma obrigação financeira enquanto
tramita um processo que discute a validade dessa obrigação. Em ações contra a
União, ele evita sanções como a não emissão de certidão de regularidade fiscal
ou o protesto da Certidão de Dívida Ativa.
A partir de 1º de janeiro de 2026, os depósitos judiciais serão feitos
exclusivamente na Caixa Econômica Federal e os valores serão repassados à
Conta Única do Tesouro Nacional — ou seja, poderão ser usados pelo governo.
Se o contribuinte vencer a ação, os valores depositados serão atualizados pelo
IPCA acumulado no período. No último ano, a alta registrada foi de 5,67%.
Trata-se de índice bem menos favorável do que a Selic, atualmente em 15% ao
mês.
Além disso, o IPCA incidirá apenas uma vez, no momento do levantamento do
depósito, e não mensalmente, no esquema de juros compostos — nesse caso,
os juros de um período são adicionados ao capital inicial e os juros seguintes,
calculados sobre esse novo valor.
Depósitos judiciais
Quando a Lei 14.973/2024 foi sancionada, em setembro, a ConJur fez um
alerta sobre sua anti-isonomia e suas inconstitucionalidades. Com a definição
do IPCA como índice de atualização dos depósitos judiciais, os efeitos passarão
a ser sentidos em cascata.
Para Julia Rodrigues Barreto, advogada da área tributária da banca Innocenti
Advogados, a medida vai desestimular o uso de depósitos para fins de garantia,
já que será menos benéfico para o contribuinte. Haverá ainda, segundo ela, o
risco de judicialização.
“Como a União continuará aplicando a taxa Selic para valores recebidos em
atraso, a adoção do IPCA para correção de depósitos pode gerar debates
judiciais sobre a necessidade de aplicação do mesmo índice em caso de
devolução de tributos depositados e posteriormente julgados indevidos, com
base no princípio da isonomia.”
Ela também destaca que a alteração reforça o caráter indenizatório e não
remuneratório dos depósitos, o que pode ser interpretado como mera
manutenção de patrimônio. “Pode suscitar discussões judiciais acerca da
incidência de tributos sobre a atualização desses valores, além de
questionamentos sobre o entendimento do STJ quanto à natureza
remuneratória da correção pela taxa Selic.”
Para Rodolfo Bustamante, sócio do contencioso estratégico do escritório
Bhering Cabral Advogados, o maior problema é que o decreto pode violar o
princípio da isonomia, uma vez que a União continua a exigir dos contribuintes
os seus créditos atualizados pela Selic, que inclui juros e correção, enquanto o
IPCA tem rendimento muito menor.
“Isso fere o princípio da isonomia porque cria um tratamento mais oneroso
para o contribuinte e mais vantajoso para a União, uma vez que a União não
deposita valores em juízo para garantir suas dívidas discutidas judicialmente.”
Ele também prevê judicialização, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já
declarou a inconstitucionalidade de normas que distorcem os critérios de
atualização monetária e juros em detrimento dos contribuintes.
É o caso, por exemplo, do Tema 810 da repercussão geral, no RE 870.947, que
invalidou a aplicação da TR em condenações da Fazenda Pública em questões
não tributárias por não garantir a recomposição do valor real da dívida.
Quebra da isonomia
Na opinião de Leonardo Gallotti Olinto, tributarista sócio do Daudt, Castro
e Gallotti Olinto Advogados, o tratamento precisa ser isonômico porque o que
está sendo depositado pelo contribuinte é um valor objeto de discussão judicial.
Assim, a análise não pode se basear em um momento específico em que a taxa
de juros seja maior do que o índice da inflação.
“O depósito judicial é computado como uma autêntica receita do governo
federal, havendo rubrica própria inclusive no valor da arrecadação comunicada
todo mês. Isso, não obstante ser uma distorção do sistema, pois o depósito está
à disposição da Justiça, e não do ente tributante, é um indicador claro de que o
tratamento a ser dispensado aos depósitos deve ser o mesmo dos pagamentos
de tributos.”
Para o advogado, não faz sentido o Estado utilizar para finalidades diversas o
valor depositado judicialmente e, quando tem de devolvê-lo ao contribuinte, o
faça de forma distinta daquela que faria com um tributo pago indevidamente
ou a maior.
“A aplicação da Selic sobre a dívida e do IPCA sobre o depósito aumenta a
exposição do contribuinte a riscos”, alerta Julio Cesar Vieira Gomes, sócio
do Julio Cesar Vieira Gomes Advocacia, ex-secretário da Receita Federal e exconselheiro
do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). “Com a
diferença de critério, a garantia passa a cobrir pouco mais de um terço dos
acréscimos sobre o principal, em caso de derrota.”
Empréstimo mais barato
Marcio Alabarce, advogado tributário e sócio do Canedo, Costa, Pereira e
Alabarce Advogados, entende que a sistemática introduzida pela Lei
14.973/2024 é uma forma de empréstimo subsidiado ao governo federal.
Isso porque a Fazenda fica livre para fazer uso do dinheiro depositado
judicialmente sem ter de pagar as taxas de mercado, apenas remunerando o
IPCA se e quando ocorrer o levantamento do recurso pelo depositante. “Ou
seja, as contas de depósito não vão sendo remuneradas mensalmente, como é
comum em toda e qualquer conta de depósito.”
“Uma distorção que esse regime cria é o incentivo ao recolhimento para
posterior compensação, pois a restituição dos valores é corrigida por Selic. E a
distorção está justamente em que se aumenta a arrecadação de um lado. Mas,
sendo um recolhimento indevido (ou de exigibilidade duvidosa), ao final pode
vir a ser objeto de restituição futura. Aumenta-se a arrecadação, de um lado,
mas em algum momento futuro isso vai afetar a arrecadação liquida com as
compensações”, aponta Alabarce.